Eu acho engraçado e, no mínimo, curioso, que alguém que tenha feito anos atrás um post quase anti-carnaval hoje esteja contando as semanas, dias e horas pra produzir e publicar um conteúdo como esse editorial -e foi exatamente isso que moldou a história do especial desse ano: o fato de que o carnaval, além de ser a maior festa do mundo, é também a mais contagiante.
Copiando Luísa Marilac, esse ano eu quis fazer algo diferente e ao invés de criar uma história na minha cabeça, deixei que ela viesse até mim - e esse foi o conceito: não ter conceito (pré definido).
Daí, fui pra rua com o coração aberto e olhos atentos pra encher sacolas com o que encontrasse de mais colorido, brilhante e divertido nas lojas de tecido e galerias de aviamentos em Goiânia, durante o recesso de fim de ano.
Esse processo todo me trouxe uma certa nostalgia e me fez relembrar com muito carinho da época da faculdade, já que no meu TCC, eu fiz a mesma coisa: fui atrás do material antes de criar, pra não me frustrar por não encontrar o tecido ideal pra executar o que eu havia imaginado; além disso, eu acabei desenvolvendo o editorial quase como uma mini coleção, criando looks pautados pelas 5 sacolas gigantes de materiais que consegui garimpar.
Um segredinho quase randômico que nem todo mundo sabe é que muita gente termina o curso de moda sem saber costurar ou modelar - o que é o meu caso, já que eu concentrei minha energia e meus esforços para a área de criação por estar traumatizado com máquinas industriais dos laboratórios de modelagem e costura da faculdade.
Como eu já tava super envolvido e empolgado com todo o processo e as referências, me deixei levar de vez pela nostalgia do tempo de estudante de modas... pensei que seria legal elevar o nível dos DIY e fui procurar ajuda pra suprir a minha falta de habilidade com a costura: chamei a Pri, uma amiga que tem uma escola de costura aqui em Brasília (a Vestida de Sonhos), pra me ajudar a materializar o que eu já havia criado e a gente fez um colab lindo que resultou no figurino do editorial e nos tutoriais que estarão no ar logo mais.
AS REFERÊNCIAS
Uma coisa que provavelmente vai estar sempre presente nos meus projetos de carnaval é a referência aos bailes antigos, que eu vejo como uma ótima fonte de inspiração... e com "Eu fui pro baile..." de Omulu e Duda Beat repetindo o dia inteiro na minha cabeça, eu fui agrupando referências bem diversas que tivessem alguma conexão com os materiais, desde marcas e designers de moda contemporâneos -do luxo ao alternativo- que apresentam formas criativas de usar tecidos e texturas (Gucci, Giambattista Valli, Oscar de la Renta, Rodarte, Lirika Matoshi, Tomo Koizumi, Viktor & Rolf, Molly Godard...), passando pelas ilustrações de Alceu Penna (ícone), figurinos de programas de TV e novelas até letras de música e memórias afetivas de infância.
Tudo isso virou uma mistura tão explosiva na minha cabeça que minha Regina Casé gritou "IXXXXQUENTA!" eu precisei chamar uma amiga -que também ama moda e folia (brigado, miga @athenamelo)- pra ajudar a organizar as ideias e, depois de uma tarde inteira entre chá, bolo de chocolate, amostras de tecido e rabiscos, nasceu o projeto que você está vendo -com 9 looks, divididos em 3 blocos com 3 figurinos cada.
Cada bloco traz, através dos looks juntamente com os detalhes e a cenografia (que foi escolhida a dedo, depois de um dia inteiro procurando cantinhos ricos em cores, texturas e marcas do tempo e com cara de bairro simples/comum, que trouxesse uma identificação natural com o máximo de pessoas possível), uma micro história narrada por diferentes pontos de vista sobre o carnaval e como ele passa pela vida da gente, quer você seja um folião, quer você seja do time anti-carnaval, rs.
Como sempre, a música me ajudou a criar tudo isso e a playlist de inspiração é essa aqui, ó:
Apesar de toda a curadoria visual que foi feita, esse não é um editorial sobre apostas de tendências para os blocos em 2020 -eu queria mesmo era transformar esse projeto numa oportunidade pra falar sobre criatividade, mostrando que:
1. Existem formas de ressignificar e reutilizar técnicas e materiais -e isso pode resultar em coisas novas e surpreendentes.
2. Fantasia bonita não precisa ser de grife, nem custar uma fortuna, tá?
3. Você pode, sim, usar coisas do ano passado de um jeito completamente novo.
4. Se eu não sou igual a você, porque o meu carnaval tem que ser?
Se joga e aproveita esse, que é um momento tão lindo na nossa cultura, pra experimentar tudo o que tem de "louco", diferente e colorido que você espera o ano inteiro mas fica segurando por qualquer medo de julgamento, sabe?
No carnaval, não tem certo ou errado e toda alegria e brilho é pouco, então, simbora!
"No Carnaval, esperança
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança"
Foi dessa parte da letra de "Sonho de um Carnaval", de Chico Buarque, que surgiu a inspiração para o nosso primeiro bloco (e também para o título do editorial), trazendo brincadeiras de rua como forma de representar a fase da vida onde a gente brincava, pulava e gritava sem medo de julgamentos -o que não podava a nossa criatividade.
Os figurinos do primeiro bloco trazem uma mistura mais sutil e leve de brilho e cor, com fantasias inspiradas em desenhos animados antigos (Ursinhos Carinhosos, melhor desenho. Quem concorda, respira) e também nos programas de TV que a gente amava ver quando criança...
Um saiote lateral lilás de tule se junta a uma ombreira de organza criando uma silhueta que remete à asas de fada, um suspensório de tule colorido lembra os looks da Xuxa nos programas de TV e também o figurino de "Super Xuxa Contra o Baixo Astral" (com ombros marcados, bem anos 1980's) e, por fim, uma capa de princesa que eu fiz para uma festa no ano passado ganhou uma nova versão aqui (cheia de brilho num look todo dourado), tudo clicado em frente a uma casinha lilás com a porta e as janelas -literalmente- dentro de uma pracinha, que serviu de cenário para as modelos brincarem de pular corda, elástico e bambolê 💖.
Não sei você, mas deu uma saudade absurda de ser criança de novo 👶
Aproveitando que a gente tá falando de beleza, só uma pausa pra enaltecer Gabi, Ju e Lorena, que foram maravilhosas e entraram com tudo na história ♡
Como eu já falei algumas vezes, eu não costumo procurar modelos para os editoriais baseado nos números que elas vestem, mas na capacidade de darem vida às histórias propostas -o que é completamente diferente de fazer carão, como geralmente se pede em editoriais de moda (e é uma habilidade que nem todo mundo tem).
Brincar, suar e se sujar
O segundo bloco é uma explosão de cor e folia -talvez seja exatamente por isso que eu ame tanto o resultado:
Aqui, as brincadeiras de rua e as cores suaves cedem a vez para tons de neon e muita farra, e o nosso bonde vai passando, levando cor e farra para a rua.
O que temos de mais legal nessa parte é que ela é, literalmente, um remake de coisas do ano passado: os tops de frufru são feitos com a mesma técnica do tutorial das mangas bufantes do ano passado, reforçando o que eu já disse lá em cima -dá pra reinventar e ressignificar, sim.
A mesma técnica, o mesmo material, um resultado completamente diferente (e eu amo o top colorido, com um coração no meio, inspirado em Ursinhos Carinhosos e My Little Pony oitentistas).
Sabe o que mais também é "sobra" do ano passado? O look de franjas.
Eu usei uma das camisetas do editorial anterior e transformei no top e no pareô usando a mesma técnica das franjas metalizadas (inclusive, todas as franjas também são reutilizadas), trazendo a ideia de que a gente não precisa usar as coisas apenas uma vez.
Além disso, eu juntei duas técnicas num mesmo look, juntando franja e frufru e adorei o look.
Moral da história: ressignificar é lindo e muito divertido -e eu te desafio a tentar em casa também.
Minha única vontade no momento é chamar umas amigas pra sair assim, de bonde, usando esses looks básicos pra comprar banana na feira.
Economiza no dinheiro... Close foi feito pra gastar mesmo!
"Olhando a banda passar, falando coisas de amor"
Foi imaginando mais essa letra de Chico Buarque de forma figurativa na minha cabeça que surgiu a ideia do terceiro bloco, onde nossas personagens -que observavam as brincadeiras de rua e a folia dos blocos anteriores- são contagiadas pela energia do carnaval, deixam de lado o posto de espectadoras e se jogam na farra também.
Uma das minhas principais referências não apenas para esse bloco, mas para o editorial como um todo, eram os detalhes da vida cotidiana representados em "A Grande Família", tanto que eu andei por horas e horas procurando pelas ruas uma casa que remetesse à casa da dona Nenê e sua trupe.
Nem todo mundo sabe, mas a região central de Brasília, mais conhecida como Plano Piloto (que é a região onde eu moro) é bem padronizada e repetitiva, dando as vezes a sensação de dejavu, já que os prédios seguem normas de tombamento e, apesar de ganharmos características de uma cidade única, a gente perde por não ter aquela cara de bairro que todas as cidades no mundo tem, sabe...
Era exatamente essa sensação que eu procurava e foi bem difícil encontrar tudo isso em um local que fosse seguro pra equipe trabalhar tranquilamente.
No fim, eu encontrei a casinha perfeita no Cruzeiro Velho, que foi um bairro construído no comecinho de tudo pra receber os funcionários públicos que vieram do Rio de Janeiro para a nova capital do país e isso faz com que essa parte da cidade tenha uma atmosfera acolhedora e quase pacata devido às portas e janelas viradas direto pra rua como cidades pequenas do interior.
Em resumo: muito amor
Além de "A Grande Família", nosso último bloco traz também referências do figurino de "Dinasty", novela americana dos anos 1980's, do uso do tafetá, do lurex, do lamê e do balonê, que tem sido muito usados pela minha pessoa favorita na cena pop brasileira atual: Duda Beat.
Como eu sou apaixonado ao extremo por Carmen, eu quis trazer releituras de seus figurinos mais uma vez e o look aqui em cima é um deles: o pareô foi inspirado nas saias com fendas sempre usadas por Carmen, juntamente com babado, brilho e um acessório de cabeça tão exagerado quanto divertido.
Com um anjinho me dizendo de um lado que era loucura colocar uma saia longa num editorial de carnaval e um diabinho do outro lado dizendo que só se vive uma vez e que, se eu achava LUXO ter saia longa nesse editorial, eu deveria colocar sim, eu resolvi que a outra releitura de Carmen seria com uma saia longa toda de tule pink e, mesmo sendo algo conceitual, é uma das coisas que eu mais gosto aqui -e apesar de ser apenas inspiracional, eu imagino que uma versão mulet do curto ao midi ficaria dedo-no-cy-e-gritaria.
Se alguem quiser tentar, me mostra, pfvr!
Pra finalizar, queria só relembrar que o que você vê aqui prontinho é resultado de muitos erros que ajudaram a chegar nos acertos.
Eu mostrei um pouco desse processo e das infinitas refações nos stories e queria muito relembrar porque nossa memória é muito curta e a gente tem a mania de achar que tudo o que tá pronto, bonitinho e editado na internet é só aquilo lá mesmo, sem considerar os defeitos ou mesmo sem imaginar/lembrar que os erros fazem parte do processo.
Isso tudo é apenas pra te dizer que você não precisa medo de tentar fazer em casa, de achar que vai errar e perder todo o material, porque a criatividade sempre vai te mostrar um caminho pra resolver tudo, se você se permitir ouvir e seguir seus instintos.
Diferentemente dos outros editoriais, esse teve algo mais especial pra mim exatamente porque eu criei praticamente tudo o que você vê nos looks e fiz boa parte das peças, o que gera muito carinho -e até mesmo um certo apego.
O esforço foi grande, absurdo e eu tô muito feliz em poder apertar o botão "compartilhar" aqui e deixar essa história criar asas e ganhar o mundo através das versões dos DIY que vocês vão fazer baseadas nos tutoriais, então, eu peço carinhosamente que tu não guarde isso na gaveta, mas compartilhe com pessoas que amam o carnaval e que precisam lembrar que colocar a mão na massa e cair na folia é lindo -e que errar no meio do caminho é uma delícia, então, tá tudo ok, porque tudo vira história e memória.
Obviamente, o esforço não foi só meu, então, vamos enaltecer as demais pessoas lindas responsáveis mais esse projeto tão especial:
Concepção, produção e styling: Matheus Fernandes
Fotografia: George Lucas
Beauty: Jackeline Monteiro
Assistente de Produção: Tyz
Agradecimentos especiais:
Pri, pelas 28 horas de gravação na Vestida de Sonhos e Manu, pelas peças lindas da Purpurinarias que ajudou a fechar os looks (já que tô enaltecendo mesmo, queria só dizer que a modelagem é maravilhosa e veste super bem -o que não é tão fácil de encontrar em peças de carnaval, que costumam ser feitas às pressas) e Bárbara, tia e Madrinha do Sander, que costurou os conjuntos de top e hot pants que serviram de base para os looks ♥
Cada vez que eu coloco um editorial no ar, me sinto a pessoa mais feliz e vitoriosa da face da terra por poder realizar meus sonhos e compartilhar com vocês a mensagem de que a gente consegue superar as pancadas que levamos da vida e que vale muito a pena correr atras dos sonhos.
Bjs do Math, bom carnaval pra gente e fica de olho que logo menos tem tutorial por aqui, viu...
Bjs do Math, bom carnaval pra gente e fica de olho que logo menos tem tutorial por aqui, viu...
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